sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Reverb



Eu tinha uma visão turva do teto enquanto estava mergulhado por completo na banheira de louça do apartamento de Júlia. Gosto de prender a respiração até quase a água parar de se mexer e olhar como tudo se transforma, ganha vida. Gosto de como o som se modifica quando você está submerso, é algo tipo como se o mundo estivesse ligado num pedal boss de reverb, tudo se distorce. E foi exatamente isso que ela havia feito comigo minutos atrás, distorcendo todo um acontecimento com argumentos que eu considerei inválidos. É sempre assim, o tempo todo. E não digo só do que ela fez, mas todos sempre esperam muito de mim, querem muito de mim. Minha família, meus amigos, minhas mulheres, meu cachorros, todos sem exceção.

Hoje foi a última oportunidade que ela teve de distorcer a imagem de quem eu sou. Malditos minutos de atraso, maldito beijo frio e sem sentimentos do qual eu não consigo me desprender. Achei que ela tinha se acostumado, achei que ela entendia um pouco mais de mim. Mas não, esperou demais, quis demais. O que diabos eu tenho que fazer para satisfazer os desejos alheios? Porque todo mundo sempre quer mais um pouco? Suguem-me seus malditos filhos da puta de merda, me tirem tudo que eu tenho, levem minha pele, levem minha alma, eu não me importo. Quebrem meus ossos, coloquem dentro de uma caixa e entreguem a quem acha que devam, eu não me importo.

Eu não quero mais isso, não quero pessoas entrando e saindo da minha sala, sentando no meu sofá, dizendo como eu devo comer e a que horas eu devo passar em suas malditas casas para lhes buscar. Eu sou o único que não espera muito de mim, e eu fico muito bem assim. Acordo a hora que quero, bebo o que quiser beber, converso sobre o que me interessa. Eu não preciso de nenhuma pessoa sequer ao meu lado pra me ordenar. Nenhuma.

Passos leves sobre um sapato de salto aproximam-se.

- Lucas! Eu já disse que não é pra você fazer isso na minha banheira. Que merda! Sai daí logo que você vai ter que vamos almoçar na casa da minha mãe e depois vamos dar uma passadinha na casa da Lu e do Pedro que é aniversário de um ano de casamento deles. Anda! Saia já daí. Sua roupa está em cima da cama.

Ela pega a toalha que está pendurada na maçaneta da porta e atira em minha direção.

- Ta! To saindo. Merda.

2 comentários:

Tudo ou nada ... disse...

Você e seus textos rs
Abração

Nona rostagno disse...

Cara, Reverb é a pura relidade. È crueldade mental a gente aceitar as coisas como elas deveriam ser para os outros. Cadê o livre arbitrio, a liberdade de ação e expressão? Isso não existe,no mundo dos homens encontramos burrice, ignorância voluntária e muito lixo. Por isso, fique no mundo das artes que te levam a novos desafios e dão um prazer enorme. Brinque com a água, com a aquarela,mas não as esconda. O mundo dos homens tem muito que aprender contigo.

nona