quarta-feira, 5 de maio de 2010

Migrei

Amigos, migrei o blog para o wordpress.

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thanks!

sexta-feira, 19 de março de 2010

Nublado

Sara saiu de casa batendo a porta e desceu desequilibrando-se pela escada feita em pedra. Maquiagem borrada, olhos cheios d’água e cabelos emaranhados de quem acabou de acordar. Destrancou a bicicleta do poste, subiu e pedalou em ruas estreitas feitas em paralelepípedos tortos, porém visualmente bonitos. Vestia uma blusa regata preta e uma saia dessas tipo bailarina cor de rosa. Com os pés descalços e unhas maltratadas empurrava os pedais com força, como se a dor e o cansaço pudesse anestesiar o vazio que sentia no peito.

Se lançava nas ladeiras fechando os olhos em busca de uma colisão que a livrasse da angústia de viver num mundo que ela julgava não ser seu. Azar tremendo, parecia que todos os automóveis do mundo estivessem sumidos, juntos num complô maldito a fim de aumentar sua tortura. Não havia música, não havia sol e nem chuva. Era um dia coco acinzentado, sem vento e sem ninguém. Ela preferia não de ter acordado.

No outro lado da cidade, alguém ainda segurava o telefone com as mãos trêmulas e com os olhos indecisos de quem não sabe ao certo o que acabou de fazer. Jogado na cama, com a barba por fazer, Breno ainda vestia a calça jeans surrada da noite anterior e camiseta sem estampa de cor branca. Seu coração batia numa velocidade acima do permitido e uma agonia tremenda tomava conta do seu corpo. Levantou-se incerto de que conseguiria manter-se de pé, passou a mão nos cabelos em frente ao espelho, saiu e trancou as três fechaduras do apartamento e logo após desceu as escadas.

Caminhou sem rumo, subindo e descendo calçadas, passando em frente a bares, cafés, homens e mulheres. Pensativo. Sentia algo um pouco mais profundo que a dor, talvez fosse uma mistura de medo, insegurança, dor tédio, tudo batido no liquidificador, congelado numa forma com formato de coração e implantado em seu peito.

- Que diabos eu tenho?

- Por que? Não, me diz! Por quê?

- Por que comigo? Mais uma vez!

Sara pensava enquanto cruzava uma ponte e pedalava em busca de um lugar em que pudesse se sentir miseravelmente confortável. Não encontrou. Continuou pedalando, sem rumo, sem norte, sem sul. Ela era do tipo namorada cuidadosa, daquelas que ligam pra dar bom dia, que acertam a gola da camisa e não se importam com meia hora de atraso. Das que gostam de imprevistos, beijos alucinados em lugares públicos, das que tomam cerveja e fingem que torcem pra qualquer time a fim de causar felicidade. Sem falsidade, apenas boa intenção.

“Perfeita demais pra mim”.

Era o que Breno pensava. Recém formado, desemprego, vivendo num apartamento emprestado por um tio e recebendo uma singela mesada dos pais, não se considerava digno de ter alguém tão legal. Apesar do gosto cultural apurado e da facilidade de interagir com qualquer pessoa, não se achava um bom partido. Sei lá por que, vivia atormentado por um monte de mulherzinhas e mesmo não percebendo, fazia um tipo galanteador.

Corrente fora da catraca, e Sara descendo uma ladeira consideravelmente alta sem freios. Aperto no peito, frio no estômago e som de pneus alvoroçado sobre pedras mal encaixadas. Olhos azuis fechados e uma vida passando em forward na cabeça. Descontrole. Tensão. Homem desconectado do mundo atravessando a rua no pé da ladeira. Gritos, olhos de espanto e dois corpos sujos ralados e manchados de sangue jogados no chão.

- Breno?

- Sara!? Você ta bem?

- Eu não sei, to me sentindo estranha, leve, sei lá.

- Eu tava atravessando e sei lá, a bicicleta veio a mil.

- É, perdi os freios e a corrente soltou.

- Me perdoa?

- Mas eu que te atropelei.

- Me perdoa por ter te deixado?

- Acho que sim.

- Você é tudo que eu sempre quis, tudo que eu sempre precisei e eu me acho meio assim... Pouco pra você.

- O seu pouco foi o melhor que eu já tive.

- Jura?

- Acho que sim.

- Então ta tudo bem?

Sara?

Sara!?

O meu Deus, Sara!?

Não!