domingo, 6 de abril de 2008

Vermelho




Ela abriu a porta do carro, se sentou e acendeu um cigarro. O vestido era vermelho, decotado e bem curto. O cheiro de fumaça misturava-se ao perfume levemente adocicado que ela usava nesta noite. Se ajeitou no espelho retrovisor, segurou forte minha coxa e me deu um beijo desses de tirar o fôlego e me largou de supetão. Deu um trago longo no cigarro e atirou fumaça pela janela. Tirou o celular da bolsa, viu algumas mensagens, sorriu com o canto esquerdo da boca e o jogou no mesmo lugar. Mudou a estação de rádio pra uma que tocava músicas mais dançantes, cantarolava num inglês errado enquanto olhava despreocupada tudo a seu redor.

Os semáforos pareciam estar programados a fechar todas as vezes que passávamos. Eu estava tranqüilo, nada mais que um frio na barriga. Ela atirou o que sobrou do cigarro pela janela, não dando à mínima pra senhoras recalcadas paradas ao nosso lado num belo e conservado Corcel II. Fingi não me importar e segui adiante sem um destino específico. Estávamos apenas indo, sem saber pra onde. Acelerei forte numa reta pra sentir o vento com mais força, ela apenas fechou o vidro e passou a mão nos longos cabelos loiros.

Nenhuma palavra sequer, já estava agoniado e doido pra quebrar todo aquele silêncio. Ela não me olhava, parecia estar distante, pensativa, pouco se importando se continuaríamos a rodar por longas e intermináveis horas naquela madrugada. Vi um posto de gasolina a frente, encostei e fui até a loja de conveniência. Voltei com duas cervejas abertas e as coloquei no porta-copo. Ela acendeu outro cigarro, pegou uma garrafa e deu uma senhora golada.

- Você sabe que precisamos acabar com isso.

Ela fingiu não me ouvir.

- Luana esta situação já está mais que insuportável, eu já não sei mais o que fazer.

- O que você quer?

- Como assim o que eu quero? Você sabe que isso já foi pro buraco há muito tempo.

Ela tragava o cigarro pausadamente enquanto falava em tom sorrateiro, baixo.

- Me diz o que você quer, eu quero saber.

- Eu quero você, mas você sabe que não dá. Eu tenho uma filha, uma esposa.

- Então acabou, é isso?

- Infelizmente sim.

- Tudo bem Arnaldo, eu imaginei que seria assim, me leve pra casa.

Estranhei aquela atitude, pensava que ela entraria em pânico, gritaria ou sei lá quebraria alguma coisa, mas não, ficou ali parada, quase que estática sem dizer coisa alguma. Retomei a estrada, estava com um amargo na boca, pensando coisas do tipo, porra será mesmo que ela se importava e gostava de estar comigo, ou era apenas mais uma de suas aventuras.

Ela segurou na minha coxa, dessa vez sem muita empolgação, olhando na minha direção de forma que eu dividisse minha atenção entre seus olhos e a estrada. Percebi que uma lágrima descia naquele rosto angelical. Ela parecia estar querendo me dizer alguma coisa, havia um clima diferente, uma sensação estranha, uma tensão. Vi, como que em câmera lenta, sua mão indo em direção ao volante e o fazendo girar, ouvi o som dos pneus cantando, coisas saindo do lugar. Havia sangue, meu e dela, o carro girava forte os misturando, não sentia dor, mas sim medo. Medo de não ter vivido o suficiente e de não a ter deixado viver. Olhei em sua direção, ela sorria, mas não respirava.

ilustração: http://abeloverdrive.wordpress.com/